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Para além das portarias

  • André Ridão e Luciana Alves Nunes
  • 9 de jun. de 2016
  • 4 min de leitura

Aos sete anos de idade, Luciano teve a primeira experiência marcante. Começou cedo a esculpir o próprio caráter. Como toda criança de vila preferia diversão a qualquer coisa. Um dia fora capaz de inventar uma dor de dente para não estudar. Aguentou até fumo na boca (era tradição da época, pois diziam que aliviava a dor). Neste dia, liberado mais cedo pela professora, se viu tentado a jogar bola com um grupo de garotos que estavam em um gramado à sua frente. Não dera 5 minutos e sua professora o avistara: “já sarou, Luciano?”. Enrubescido, mas com a valentia de um garoto que fala o que pensa, “já sarei sim” bradou com ares de gozação.


Esta é uma das histórias que Seu Luciano, hoje com 78 anos, se diverte ao lembrar. O menino nascido na cidade de Corinto, em Minas Gerais um dia sonhou em ser repórter, mas estudou apenas até a segunda série, em um Grupo Escolar (atuais escolas públicas). “Lá o negócio era sério, tinha que estudar a tabuada inteirinha pra decorar’’. Ainda muito novo deixou para trás as terras mineiras, com seus pais e alguns dos 12 irmãos. Arriscou a ganhar a vida em uma terra que prometia ser a transmutação de um ícone europeu. A pequena Londres ainda era agrária, possuía poucos comércios e casas, mas o café já era um símbolo regional.


Um outro pioneiro acabou cruzando o caminho de Seu Luciano. Fausto Tavares que viera para a cidade assim como muitos cafeicultores possuía outras ambições. Era um empreendedor português, almejava uma diferente associação à famosa capital mundial do café, queria que fosse a capital da cerveja, acabou por montar a Maltaria e Cervejaria Londrina em 1952. Seu Luciano teve seu primeiro emprego nesta cervejaria. Nela criou um lema que se orgulha de dizer até hoje: “Nunca deixei um chefe me chamar atenção por nada”. Por outro lado, a espontaneidade de respostas que beiram a insolência era certa, caso alguém o questionasse, a personalidade da infância o acompanhava.

Com 27 anos já havia conquistado o carisma dos donos da Cervejaria e recebeu a proposta para trabalhar de porteiro da fábrica. Foi ai que o seu objetivo como ser humano foi se solidificando. Talvez não seja necessário um emprego ou fatos excepcionais para que encontremos o tão idealizado sentido da vida. Este senhor já sabia há muito tempo que ele vivia para ajudar os outros. O emprego lhe caiu como uma luva nas mãos que se estendiam para o próximo na primeira oportunidade possível. “Eu não trabalho pra quem tá dentro do prédio, eu sou porteiro, mas meu trabalho é ajudar as pessoas”. Desde então, mudou-se de portarias, mas nunca se desviou do objetivo. Demasiadamente altruísta? Talvez seja, ou talvez se sinta bem em ver o próximo agradecido. Gratidão, sentimento tão em falta na atualidade.


Em dezembro de 1976 Seu Luciano recebeu o convite de um antigo patrão para trabalhar na portaria de um imponente prédio recém inaugurado com 20 andares, um dos primeiros da cidade de Londrina, o então Palácio do Comércio. E é ainda neste local que exerce sua profissão até hoje, mesmo já aposentado há 8 anos. “Ninguém falou pra eu sair não, ninguém quis até agora que eu saísse. Geralmente os macetes e os problemas do prédio a gente tem mais conhecimento né’’ diz ele ao ser questionado se já pensou em abrir mão de sua função. E completa: “Eu gostei de trabalhar aqui, fiz muita amizade, o pessoal também acha o meu trabalho bom. Eu sempre procurei trabalhar correto.”


Seu Luciano se lembra de como a história se trilhou, recorda de casos como da vez em que o maior advogado trabalhista de Londrina foi ao prédio em que é porteiro. Sem conhecê-lo perguntou se precisava de alguma ajuda e teve como resposta “que que é porteiro pé de chinelo”. Isto não lhe agradou e em três dias já havia escrito e enviado uma carta a este mesmo advogado. “Parabéns doutor, eu fiquei sabendo que o senhor é o melhor advogado trabalhista de Londrina, não sei quantas faculdades o senhor tem, se é uma ou duas, mas ainda lhe falta uma, aquela de berço que o senhor não tem!” E pediu que tivesse mais educação com os outros. Hoje ele se gaba por ter sido o homem que mudou a conduta arrogante e grosseira de um dos grandes nomes da cidade na época, com desdém ainda comenta “naquele dia nem de chinelo eu tava”.


Seu Luciano não é apenas o profissional que monitora a entrada e saída de pessoas, ele zela pela ordem e bom funcionamento de todo o prédio. Além disso, sempre se dispõe a ajudar funcionários e visitantes, mesmo quando não é uma exigência do seu trabalho. E notável que toda sua dedicação é reconhecida, quando pessoas de seu convívio não poupam elogios para avaliar o seu trabalho, como Maria uma ex-funcionária do edifício: “sempre muito atencioso com todos, simpático e gentil, uma grande pessoa!”.


Enamorado pela vida, Seu Luciano nos desafia a enfrentá-la. Sua história é uma legítima trajetória de aventuras e sabores éticos. Um personagem que passa despercebido por muita gente, mas que completa o cenário da nossa cidade conturbada.

 
 
 

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